sexta-feira, agosto 21, 2009

Senhor Infeliz e Senhor Descontente

Aos trinta anos passamos oficialmente a ser senhores. Não há volta a dar. Podemos calçar havaianas, ter as calças a cair do rabo, usar penteados do Facto, exibir carteiras da Volcom, percorrer no Ipod os mesmos “sons” que os putos. A dura realidade é que não somos putos. Somos senhores.

Até os trintões que têm carreiras em actividades de espírito jovem - nas artes, na música, no surf, no design, etc. –, quando desviados do seu contexto, são afligidos com esta realidade. Por exemplo, nunca lhes aconteceu irem a uma loja da Pull and Bear, pedirem para experimentar umas calças lixiviadas, esburacadas de origem em 9 sítios diferentes, e receberem do empregado um respeitoso: “E que número é que o senhor veste?”.

No meu caso, esta pergunta é duplamente aviltante... em primeira instância, porque me confronta com o facto de já não vestir entre o 40 e 42 – “sei que é o 31 da Levi’s”, recordo-me de dizer em várias situações, por alturas do milénio transacto -, e que, por força de uma proeminência estomacal, agora me obriga a admitir, embaraçado: “acho que é o 46”; mas, mais importante para a análise em questão, porque me indica claramente que, aos olhos daquele empregado da Pull and Bear, sou um “senhor”.

Este “senhor” causa estranheza. Não se nos cola. É uma etiqueta que faz comichão, como aquelas nas camisas e t-shirts novas, na zona do rim, que recortamos assim que chegamos a casa. Dá vontade de virar a cabeça na falsa esperança de encontrar um senhor, esse sim, de fato e gravata, a quem o empregado da Pull and Bear, por estrabismo crónico deste e coincidência de gosto do outro, se estaria a dirigir...

Na minha geração, aos trinta anos, não somos senhores. “Senhor é o meu pai”, respondem imediatamente, em tom de desafio, os mais espontâneos na oralidade. Os outros, como eu, engolem o proverbial sapo e ferram os dentes na angústia vazia de uma ofensa que não o chega a ser. Não me vou virar ao gajo da Pull and Bear como se ele me tivesse chamado “gordo” ou “feio”, apesar de haver o mesmo grau de verdade em todos.

Um “Sr.” no extracto bancário, um “sim, senhor” ou um “este homem é um senhor!” de aprovação por algo bem feito, tudo bem... Um “o senhor estaria interessado em assinar os canais de entretenimento para adultos?” do outro lado da linha, ainda se suporta... mas ser chamado de “senhor”, olhos nos olhos, é uma ofensa.

No outro dia, contava-me um amigo (um elegantito recém-trintão) que tinha estado no festival Sudoeste, onde se tinha afeiçoado a uma exuberante imitação nacional da Hannah Montana, acabadinha de sair dos teen. Conversaram, beberam uns copos e, no final da noite, acompanhou-a à tenda, onde, depois de se deitarem, a tentou beijar. Ela fingiu que estava a dormir.
A propósito desta estória, outro amigo defendia não ver qualquer problema em de(le)itar-se com raparigas com menos de 18 anos, desde que conscientes dos seus actos.

O que estes meus amigos demonstram é que os trintões continuam a sentir-se atraídos por raparigas adolescentes e pós-adolescentes, talvez porque secretamente se consideram na mesma faixa etária, seja lá o que isso for... Mas já terão parado para pensar que, do lado das lolitas, a diferença de idades pode ser demasiado óbvia? Não correrão o risco de serem sujeitos das confissões de surdina às melhores amigas sobre temas como: “aquele senhor de ontem tentou beijar-me...” ou “estive a mamar na boca daquele senhor”...?

Da minha parte, vou fazendo os possíveis para fintar a inevitabilidade do “senhor”. Já por uma ou duas vezes tomo a iniciativa e apresento-me pelo nome, de mão esticada e sorriso jovial. Quando não quero arriscar de todo a malfadada expressão, encho o peito de confiança e arrisco um passou-bem à jovem, que implica uma ligeira flexão de pulso, para o contacto das palmas num braço-de-ferro brando e afectivo:
- Olá, bom dia, sou o Pedro.

A resposta, invariavelmente, é esta:
- Bom dia, senhor Pedro.

2 comentários:

leite disse...

Gostei muito!

...se já não brincam com bonecas e olham com olhos de querer...

"Mamei na boca do senhor." é muito bom.

Tens que te propôr a escrever, pelo menos (!), uma crónica destas por semana, ouviste?

Beijo

Maria João disse...

(Do ponto de vista feminino)
É engraçado que quando ainda não atingimos os 30, e somos deparadas com um "senhora", achamos imensa piada e até nos sentimos importantes. Será por respeito, cordialidade..certamente não será por aparentarmos uma idade avançada. Achamos simplesmente que para a outra pessoa parecemos mais velhas do que realmente somos e pode ser vantajoso. Depois dos 30, a conversa é exactamente como descreves...será que já pareceço assim tão velha??? E a penumbra percorre-nos a alma.